Reflectir o meu ateísmo – Parte 3
Promover uma laicidade pró-activa
A questão da separação do estado e da Igreja está na ordem do dia nos Estados Unidos. Após o 11 de Setembro, a resposta norte-americana foi, na minha opinião, a pior possível e aquela que melhor serviu os interesses das linhas mais conservadoras de ambos os lados da barricada. Pior do que guerras santas, só mesmo guerras económicas mascaradas de guerras santas. Às religiões serve-lhes a aparente luta contra os infiéis ou fundamentalistas e aos governos assenta-lhes que nem uma luva a máscara dos motivos religiosos. Entretanto, as multinacionais sorriem e o povo chora!
Que no princípio do séc. XXI se vivam cenários como este parece-me lamentável, mas não surpreendente, face aos factos históricos recentes. Mesmo sem 11 de Setembro, creio que a tendência estava desenhada para um aumento da visibilidade das religiões nas sociedades ocidentais. Alguns factores estariam já a contribuir para esse fenómeno, tendo o 11 de Setembro apenas acelerado o processo. Senão, vejamos:
- Desde os anos 70 que na maioria dos países ocidentais se tem vindo a acentuar uma maior descrença no sistema político;
- A globalização também está ao alcance das “religiões privadas” – seitas – tendo permitido que algumas delas crescessem nas últimas décadas para dimensões de fazer inveja à religiões tradicionais em muitos países;
- O extremismo islâmico tem-se propagado por todo o mundo desde os anos do Ayatollah Khomeini;
- A secularização da maioria dos países ocidentais não lhes permite controlar fenómenos de propagação religiosa, quer activos, quer reactivos;
- A incapacidade demonstrada para uma solução política no conflito do médio oriente é um convite a uma resolução patrocinada pelo divino (guerra santa).
A meu ver, é imprescindível que as democracias seculares ocidentais criem mecanismos para se protegerem elas próprias não apenas dos perigos externos mas, principalmente, dos internos. Não defendo um estado ateu, defendo, isso sim, um estado fortemente laico; forte ao ponto de ser pró-activo nessa laicidade e não apenas um mero gestor ou observador.
A liberdade de fé, crença e religião deve existir mas sempre fora de todo e qualquer contexto estatal. As organizações religiosas não devem de usufruir de nenhum benefício fiscal ou legal, devendo o Estado abster-se de qualquer patrocínio ou subsídio às organizações religiosas. Apenas os serviços comprovados de acção social deverão estar enquadrados nesses benefícios em regime de igualdade com outras organizações não religiosas de índole social.
Não devem ser permitidas quaisquer referências religiosas no discurso político, independentemente do órgão de soberania em causa. As cerimónias oficiais devem dispensar qualquer participação de representantes religiosos, devendo a representação religiosa ser totalmente irradiada do protocolo de Estado. Igualmente, aos órgãos de comunicação do Estado – RTP, RDP, etc – deverá estar proibida a terminologia religiosa.
Por último, os partidos políticos e os seus representantes não deverão prestar declarações públicas de favorecimento religioso em períodos eleitorais.
Nenhum destes princípios é contrário à livre actividade religiosa. No entanto, previnem por um lado a utilização da religião como arma política e, por outro, garantem uma equidistância do Estado com todos os cidadãos de qualquer religião ou de religião nenhuma. Repare-se, ainda, que estes mecanismos não só permitem proteger o Estado da influencia religiosa, mas também o contrário. O único compromisso das religiões com o Estado é o de cumprir a lei, tal como qualquer outra pessoa individual ou colectiva.
Admito que esta matéria seja talvez das mais complexas e susceptíveis de causar polémica. Exactamente por isso é que o Estado deve defender, em primeiro lugar, os direitos implícitos nos seus princípios de secularismo e laicidade. Só depois, então, é que o Estado se deve comprometer a garantir outros direitos também fundamentais, como liberdade de fé, culto e religião.
This entry was posted on Segunda-feira, Novembro 12th, 2007 at 7:10 and is filed under Ateísmo . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0 feed. You can leave a response, or trackback from your own site.
“Não devem ser permitidas quaisquer referências religiosas no discurso político, independentemente do órgão de soberania em causa. As cerimónias oficiais devem dispensar qualquer participação de representantes religiosos, devendo a representação religiosa ser totalmente irradiada do protocolo de Estado. Igualmente, aos órgãos de comunicação do Estado – RTP, RDP, etc – deverá estar proibida a terminologia religiosa.”
E o depois o senhor diz que não defende um Estado ateu? Ora! Aquilo que descreves é precisamente um Estado ateu, e um Estado ateu totalitário, nos moldes da URSS nos tempos de Stálin.
Se o presidente da república torce para o Barcelona, ele está proibido de declarar sua simpatia pelo clube? Por que ele então deve ser proibido de dizer que é um católico, ou um protestante, ou um budista ou um ateu?
Laico é o Estado que não dá preferência para crença nenhuma. Agora acabar com todas as referências às crenças religiosas, não é defender o Estado laico, é defender o Estado ateu!
Prezado Helder, saudações!
Escrevo desde o Rio de Janeiro.
Por aqui o debate ainda está longe das grandes massas, que parecem totalmente absortas num marasmo religioso , como nas lindas ondas de verão em Ipanema.
Mas, na mídia, uma verdadeira guerra santa já começou com o duelo entre duas grandes redes de comunicação, Globo x Record, esta última de um Bisco neo-evangélico que já mandou chutar santa em horário nobre, cobra dízimos por internet banking e já foi preso por estelionato religioso, pra não dizer outras coisas feias.Você precisa ver o que passa na TV do bispo!!! Ficarias chocado.
Estamos em ano eleitoral e uma pesquisa revelou em quem os brasileiros não votariam, 84% aceitariam votar num negro; 57%, numa mulher; 32%, num homosexual e apenas 13 votariam num ateu.
Nossa constituição é laica, mas a presença política da religião é muito forte ainda e é capaz de decidir os rumos do poder.
Parabéns pelo diário
Luiz
[...] (Publicado originalmente a 12 de Novembro de 2007) [...]