Reflectir o meu ateísmo – Parte 2
As insuficiências do agnosticismo
Existem algumas razões para me definir como ateu e não como agnóstico. O agnosticismo, nas suas diversas interpretações, presume pelo menos um dos seguintes princípios:
- Deus é insolúvel
- Deus é irrelevante
Sobre a insolubilidade de deus
Quanto a deus ser insolúvel, parece-me que se trata de um princípio filosófico bastante razoável. Afinal, o conceito de deus (ou deuses) é movido e justificado pela fé, não pelo conhecimento. Tentar racionalizar crenças da mesma forma que se criam representações matemáticas da realidade é absurdo.
Existe, depois, uma armadilha perigosa que é procurar responder à questão de deus quando esta engloba em si própria uma variedade de personalidades e representações quase infinitas. Deus não terá sido o primeiro a sofrer de personalidade múltipla, mas é seguramente o paciente desse distúrbio mais famoso da história. Tentar argumentar racionalmente contra essa multiplicidade é, uma vez mais, infrutífero e inconsequente. A própria multiplicidade de representações encerra em si todos os argumentos de contradição, se não mesmo, de absurdo.
Resumindo, reconheço que é, de facto, impossível provar racionalmente a existência ou inexistência de qualquer deus ou deuses. Claro que teremos que colocar todos no mesmo saco: o deus de Abraão, Zeus, Osíris, Thor, Shiva ou o adorável Baco. Resta-me, portanto, a convicção de que face à ausência de demonstrações credíveis de qualquer deles, todos, sem excepção, são apenas fruto de mentes criativas impregnadas de fé.
Sobre a irrelevância de deus
Considerar a tarefa de questionar a existência de deus uma tarefa desnecessária é outra linha do pensamento agnóstico. Opinar que é irrelevante para a nossa experiência – enquanto seres vivos conscientes do mundo que nos rodeia – parece-me demasiadamente insustentável por duas razões essenciais.
Antes de mais, questões fundamentais como “o que somos?”, “porque somos?” ou até mesmo “somos?” terão respostas e significados totalmente diferentes consoante deus exista ou não. Logo, na elaboração das respostas a essas perguntas o valor da variável “deus” terá que ser sempre equacionado e poderá ter um peso determinante nas respostas obtidas.
Por outro lado, as organizações religiosas sempre tiveram – e continuam a ter – uma influência nas diversas sociedades demasiado grande para que os argumentos basilares das suas doutrinas não sejam questionados.
Assim, discordo em absoluto desta corrente agnóstica que considera de menor importância a questão de deus.
Outras considerações que descredibilizam o agnosticismo
O processo de dúvida inerente à maior parte do ideal agnóstico é, claramente, do ponto de vista filosófico, um processo eficiente. Mas, do ponto de vista prático as suas limitações são evidentes. Se não fossem seria, então, possível viver com esses princípios de dúvida em todos os aspectos da nossa vida. Não é o caso. Questionar sempre que acordamos se é o último dia de vida que temos, se a Terra vai suspender o seu movimento de rotação espontaneamente ou se seremos um alvo preciso na queda de um meteorito são também dúvidas válidas, questões insolúveis. Se vivermos em função dessas dúvidas o mais provável é sermos considerados lunáticos ou esquizofrénicos. Aplicamos, implicitamente, a probabilidade experimentada. Sabemos que a probabilidade de responder acertadamente é muito maior num caso do que noutro, de tal forma que simplesmente ignoramos a probabilidade menor – muito menor – e agimos em conformidade. Não encontro justificação possível para se agir de maneira diferente na questão de deus. Se, face aos conhecimentos adquiridos, não existe a mínima evidência de deus (qualquer deus), então porque viver em função da sua possível existência?
Finalmente, o agnosticismo comete o “pecado” da imparcialidade absoluta. Permite-se dar tanta credibilidade à possibilidade de deus como à sua impossibilidade. Por outras palavras, dá tanto crédito à fé e à crença como à ciência; estranho, pois é esta última que utiliza os mesmos processos racionais em que o próprio agnosticismo se sustenta!
Na próxima parte abordarei a separação entre o Estado e a Igreja.
Parte 1 – O que o meu ateísmo não implica
(Parte 3 – brevemente)
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Grande Helder!
O meu blog, o Pugnacitas, completa hoje seu primeiro ano.
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Um grande abraço!
Catellius
Se eu acreditasse na existência de qualquer uma divindade sobrenatural, certamente que iria simpatizar com o Baco….:D
Não tenho dúvida.
Finalmente vi que dava para inscrever-me por email, e agora posso receber notificações de novidades LOL
Considero-me ateu e agnóstico.
Digo que sou agnóstico (tecnicamente), porque acho que não se pode provar que não exista qualquer tipo de deus – até por causa dos justificacionismos.
( Aliás, sou céptico e com uma postura aberta tenho a oportunidade de coleccionar baboseiras. LOL )
Mas pode-se provar que certos deuses não existem: basta encontrar contradições. E é essa a fraqueza dos livros sagrados.
Mas acredito tanto na existência de deuses como acredito no Pai Natal, nas fadas, no papão, em unicórnios, etc. Acho que o razoável é assumir que não existe qualquer deus, até que se prove existir algum. Ou seja: sou ateu!
Abraços
Caros filósofos.
Não me considero agnóstico – direi antes, que sou céptico – em relação ao significado absoluto de certas palavras: tais como “deus, ateísmo e religião”.
“Existe, depois, uma armadilha perigosa que é procurar responder à questão de deus quando esta engloba em si própria uma variedade de personalidades e representações quase infinitas. Deus não terá sido o primeiro a sofrer de personalidade múltipla, mas é seguramente o paciente desse distúrbio mais famoso da história. Tentar argumentar racionalmente contra essa multiplicidade é, uma vez mais, infrutífero e inconsequente. A própria multiplicidade de representações encerra em si todos os argumentos de contradição, se não mesmo, de absurdo.”
Eu creio que é aqui justamente, que reside o cerne da questão.
Ou “deus” é o Universo e portanto existe como Humanidade, ou o Homem é naturalmente “divino” e portanto por esse motivo, também existe como “deus”, que a si próprio se gerou.
Dentro dos mitos, que a multiplicidade de personalidades atribuídas a “deus” comportam – existe um animal – que as cria e questiona e sem o qual é “impossível” haver conceitos e significados.
A linguagem parece-me ser uma legítima criação humana. Graças a ela, a nossa espécie aperfeiçoa a consciência e desenvolve as suas ideias sobre o mundo em que vive. Por essa razão as palavras são “absurdamente” multi-significativas.
Para o meu entender, “deus” – mais exactamente – significa Natureza; a qual, realmente é a nossa essência.
De facto, considero muitíssimo razoável, que os primeiros enunciados, – sobre “deus” – tenham sido justamente espelhados sobre os tremendos fenómenos naturais; dos quais, nós somos um exemplo fantástico.
Estarei a exagerar, se disser que o Universo é omnipotente, omnipresente e auto-existente… E que a Humanidade possui talvez, propriedades psicossomáticas para além do “génio”?
Não consigo ver a vida como simples acidente natural.
Não haveria formas tão perfeitas nem o amor… Haveria apenas algo caótico, sem padrões, sem o bem e o mal…
Pense nisso quando diz que não há evidências…
[...] Publicado originalmente a 6 de Novembro de 2007 [...]
Surfando topei com seu texto hoje (este e o anterior) — excelente! Muito bem posto. Concordo contigo — e para mim o agnosticismo é, em muitos casos, um eufemismo de ateus querendo ser brandos no tato com os religiosos (ou seja, uma leve hipocrisia) ou, em tantos outros casos, um estágio sincero, uma etapa, para quem caminha na direção do humanismo.